Suspensão do acesso ao sistema de saúde das Forças Armadas



 


              

Em 2017 todas as pensionistas das Forças Armadas, e mais precisamente as integrantes da Força Aérea brasileira e da Marinha do Brasil tiveram canceladas a assistência médico-hospitalar sob o fundamento de não possuírem mais a qualidade de dependente.

O transtorno foi tamanho que muitas pensionistas que estavam em tratamento médico não puderam dar continuidade em razão da exclusão repentina. Repentina, pois em nenhum caso foi informado previamente o cancelamento, sendo constatado apenas quando da procura para agendamento médico.

Tal fato afetou principalmente idosos e pessoas portadoras de doenças crônicas e degenerativas que somente viram assegurada a continuidade do tratamento por meio da intervenção do Poder Judiciário.

As principais Forças que cancelaram a referida assistência foi a Força Aérea brasileira e a Marinha do Brasil, por meio das respectivas portarias - NSCA 160- 5/207e DGPM-401 da 3ª revisão, ambas editadas no ano de 2017, estabelecendo novas regras de acesso ao sistema médico-hospitalar.

É certo que a Administração Pública é dotada de poder discricionário, mediante o qual, dentre duas ou mais opções de agir válidas perante o Direito, incumbe a ela a escolha, obedecidos os critérios de conveniência e oportunidade. Assim, trata-se de prerrogativa da Administração Pública fundada na separação dos Poderes consagrada na Constituição da República. Contudo, o exercício da discricionariedade administrativa não é absoluto ou intocável, cabendo ao Judiciário exercer o controle sobre os atos da Administração em desconformidade com a lei.

Isso significa dizer que a as portarias e atos normativos internos devem trazer norte de aplicação da lei, não podendo criar ou extinguir direitos estabelecidos em lei nacional e federal.

Outro fator importante é que a assistência médico-hospitalar nas Forças Armadas possui peculiaridades decorrentes das inúmeras legislações que disciplinam, ou interagem, para que os Sistemas de Saúde cumpram suas obrigações legais, sendo regida pelos seguintes diplomas legais:

• O Decreto nº 92.512, de 2 de abril de 1986, que estabelece normas, condições de atendimento e indenizações para a assistência médico-hospitalar ao militar e seus dependentes, e dá outras providências;

• A Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares;

• A Medida-Provisória 2215-10, de 31 de agosto de 2001, que dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas, altera as Leis nos 3.765, de 4 de maio de 1960, e 6.880, de 9 de dezembro de 1980, e dá outras providências;

• DGPM 401/2012 (ato normativo federal);

• DGPM 303/2013 (ato normativo federal).

O direito à saúde é uma das vertentes da seguridade social expressa na Constituição Federal de 1988, bem como o art. 50 da Lei 6.880 /80, dispõe que são considerados dependentes do militar:

"e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários".

A assistência médico-hospitalar é conceituada, para os militares e seus dependentes, como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção de doenças, com a conservação ou recuperação da saúde e com a reabilitação dos pacientes, abrangendo os serviços profissionais médicos, odontológicos e farmacêuticos, o fornecimento e a aplicação de meios, os cuidados e os demais atos médicos e paramédicos necessários.

Os contribuintes da assistência médico-hospitalar são os militares da ativa, na inatividade e os pensionistas que contribuem para os Fundos de Saúde das respectivas Forças. A contribuição de até três e meio por cento ao mês, para constituição do Fundo de Saúde, de cada Força Armada, é estabelecida pelo respectivo Comandante da Força.

Entretanto, os dois principais fundamentos para a negativa da assistência médico-hospitalar são:

  • Perda da qualidade de dependente;
  • Ausência de contribuição para o fundo de saúde.

Com relação a perda da qualidade de dependente, não há qualquer menção na legislação que a pensionista militar perde a qualidade de dependente com a morte do militar instituidor da pensão. Pelo contrário, todos os diplomas que versam sobre os descontos e contribuições incluem a pensionista como beneficiária da assistência médico-hospitalar, desde que haja a aludida contribuição para o fundo de saúde da respectiva Força.

Ocorre que a exclusão da contribuição para o fundo de saúde não partiu de qualquer liberalidade das pensionistas, a própria Força quem providenciou a cessação dos descontos, sem qualquer prévio aviso.

Além disso, outro fundamento é que a permanência de pensionista na condição de beneficiária do sistema médico-hospitalar não encontra respaldo legal, tendo em vista que beneficiário não se confunde com dependente para fins de assistência à saúde.

Neste sentido, a filha do militar somente poderia ser considerada dependente para essa finalidade por relação direta com o militar vivo, não havendo que se falar de dependente de pessoa falecida.

Ao afastar a condição de beneficiária do fundo de saúde relativamente às filhas/enteadas instituídas pensionistas, após completarem certos limites de idade, extrapolou sua função regulamentar. Assim, as regulamentações infralegais atinentes ao benefício não podem excluir da assistência médico-hospitalar pessoa legalmente reconhecida como dependente, porquanto não é possível a alteração de lei por decreto ou ato normativo inferior, como já afirmamos acima.

Ocorre que além de possuir os seguintes respaldos legais, a última reforma militar assegurada pela lei n. 13.954/2019 retoma a contribuição para todas as pensionistas que poderão reintegrar o sistema de saúde das Forças Armadas:

Art. 3º-B. São descontos obrigatórios do pensionista de militar, conforme disposto em regulamento: I - contribuição para a pensão militar; II - contribuição para a assistência médico-hospitalar e social, nos termos do art. 3º-D desta Lei; III - indenização pela prestação de assistência médico-hospitalar por intermédio de organização militar, nos termos do art. 3º-D desta Lei; IV - impostos incidentes sobre a pensão, conforme previsto em lei; V - ressarcimento e indenização ao erário, conforme disposto em ato do Ministro de Estado da Defesa; VI - pensão alimentícia ou judicial; VII - multa por ocupação irregular de próprio nacional residencial. (G.N.)

Além disso, o Estatuto Militar sempre assegurou tal direito, não fazendo qualquer distinção.

O desconto referente a assistência médico-hospitalar é uma contribuição social (art. 149, caput, Constituição Federal), tida como um tributo, direcionado a sustentar a assistência médica com base no princípio da solidariedade, em prol da coletividade e não se traduz em uma contraprestação pela contratação de um plano de saúde individual.

Do mesmo modo a lei 3765/60 trazia expressamente tal direito, sendo ainda mais regulamentado pela última reforma militar:

Art. 3º-D. As contribuições e as indenizações para a assistência médico-hospitalar e social dos usuários a seguir especificados serão assumidas, para as hipóteses previstas no § 5º do art. 50 da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), respectivamente, pelo: (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

(...) V - pensionista habilitado, relativamente à assistência médico-hospitalar e social do pai e da mãe do militar. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

Evidente que o militar da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, e seus dependentes, têm direito à assistência médico-hospitalar, sob a forma ambulatorial ou hospitalar, conforme as condições estabelecidas no Decreto nº 92.512 e nas regulamentações específicas das Forças Singulares.

Sendo assim, constatada ilegalidade pela Administração Militar pode e deve o Poder Judiciário intervir como mecanismo de controle dos atos da administração pública que ultrapassam os limites estabelecidos em lei.



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